sexta-feira, 14 de outubro de 2011

PELOS CAMINHOS DO RIBATEJO

CONTO...... ENTRE A CORAGEM E O MEDO!!!


CONTO

ENTRE A CORAGEM E O MEDO

Luísa vivia ali naquele casal da Avessada, era uma casa já fora do lugar, da povoação de Vila de Novais a que pertencia.
Era uma casinha modesta, construída em tufos, que era uma espécie de terra branca, a que chamavam Caeiro, certamente por ser de cor comparável á cal, e onde poucas coisas cresciam, algumas ervas daninhas ou mato bravio, contudo era uma espécie de material com que, numa época de dificuldades e pobreza, as pessoas se valiam para fazer as paredes das casas.
Os terrenos como se sabe são de variadas espécies conforme de onde estão integrados: mais arenosos, ou de areias puras, de barros mais ou menos fortes, e que um bom barro dá para fazer qualquer material ou peças, ou, já por uma via mais industrializada como as fabricas. Ali pertinho da casa avia essa espécie de Caeiro, de onde se tinha extraído as paredes da casa onde vivia Luísa.
Para extrair os blocos, escolhiam sempre pelo terreno mais duro que, era cortado com ferramentas adequadas, normalmente em blocos retangulares, que depois de bem aparelhados iam fazer as paredes, como se fosse os tijolos das construções de agora.
O que estou aqui a falar, é coisa que poucas pessoas conhecem, só os mais antigos, isso levou-me a relatar, para que pelo menos, essas poucas pessoas que iram ler este meu texto, fiquem com esse conhecimento.
E era aqui que Luísa vivia, nessa casinha que ficava a pouco mais de uns cinquenta metros da estrada, num terreno de alguma inclinação, era um carreiro de pé posto que fazia a ligação entre a estrada e a casa, ladeando esse carreiro havia uma oliveira, duas figueiras, e uma nespereira, ainda uma ameixeira, todas estas árvores davam frutos abundantes.
Na frente da casa, uma rua ou logradouro, de terra batida, uns alegretes para flores, feitos com pedras toscas retiradas das terras, na frente das duas janelas, depois duas portas, uma da sala que raramente se abria, e outra na cozinha por onde tudo, e todas as pessoas entravam, era com duas meias portas, pela altura de uma pessoa crescida, tinham uns pequenos vidros retangulares, para entrar um pouco de luz na cozinha.
Aquela casa não tinha luz eléctrica, toda a aldeia já a tinha, havia alguns anos, contudo como a casa já estava considerada fora da localidade, não tinha tido direito a esse bem, e quando foi possível isso acontecer, foram os donos da casa que tiveram de fazer todo o investimento.
A estónia que vou contar tem um tempo, que, são cinco anos após o casamento de Luísa, e, alguns meses após o nascimento de sua filhota. Luísa trabalhava em costuras para algumas clientes, á luz do dia fazia o que era possível, deixando para fazer acabamentos de mão, de noite e á luz de candeeiro a petróleo.
O marido de Luísa trabalhava muitas horas, partia de madrugada para Lisboa ou arredores, com um camião carregado de materiais de construção, depois de carregar e descarregar, algumas cargas, dependendo das distâncias a percorrer, voltava a casa já bem tarde muitas vezes, e com o camião carregado de novo para partir bem cedo.
Terei eu, de dizer aqui que, na época dos anos setenta, não existiam telemóveis, e eram poucas as pessoas que teriam telefone em casa, tal como Luísa não tinha, sendo assim, foi numa dessas noites de Inverno que tudo o que foi estranho se passou.
Já perto das dez horas da noite, e de Inverno, Luísa estava sentada, metida na cama, para se proteger do frio, e a trabalhar nos acabamentos das costuras, a sua filhota ainda bebé estava deitada no berço a dormir, ao lado da sua cama, quando de repente escuta alguém a chamar pelo seu nome.
No escuro da noite, lá um pouco mais a baixo na estrada, continuavam a chamar, Luísa abriu a janela do quarto, perguntou quem era, respondeu a prima Adelina, que era prima do marido, com a professora que morava perto dela, e lhe pediu ajuda para cumprir aquela boa ação como vizinha e senhora de boa vontade.
Estavam ali porque o encarregado da fábrica, continuava esperando a MAN para a carregarem, e o motorista não tinha chegado ainda: Iria ele para casa direto sem nada dizer? Enquanto o esperavam no trabalho, para fazer uma nova carrada?
Mas não, ele não tinha ido a casa, e dado o adiantado da hora, Luísa ficou mais preocupada, e disse isso mesmo para as senhoras, levarem na  resposta, se não fosse ter a menina a dormir, e estar ali sozinha sem ninguém que olhasse por ela, ia lá ligar a casa da professora ver se o marido tinha já chegado é fábrica, mas não podia, assim só lhe restava esperar que nada tivesse acontecido, e que ele chegasse a casa bem.
Tudo isto foi falado alto e bom som, da janela do quarto aberta para as suas interlocutoras, escutarem na estrada.
A essa distância escutavam elas, e todas as pessoas que estivessem por perto, ou relativamente, dependeria do impacto das palavras ali ditas entre os montes que circundavam o vale, e Luísa tinha a certeza, alguém mesmo a alguma distância tinha escutado, tudo o que ali tinha sido dito, dado que lhe foi confirmado, pelas cenas seguintes.
Luísa fechou a janela, sentou-se de novo no seu lugar e, se até ali não tinha chegado o sono, agora com a preocupação muito menos iria acontecer, esperava ansiosa pela chegada do marido.
Passaram alguns minutos, talvez uns quinze ou vinte, de repente:
_Um grande estrondo aconteceu, e Luísa ouviu na escuridão da noite, ficou com o coração aos pulos no peito, primeiro o susto, depois o analisar que, aquele bakkk, tinha acontecido bem perto, na outra ponta da casa parecia-lhe, o medo quase que lhe anulou os movimentos.
Poucos segundos e conseguiu pensar… tinha de reagir, tinha de ir ver o que se estava a passar, por si, pela sua filhinha que dormia ali a seu lado, o raciocínio foi direto ao ato, o que poderia ter ali no quarto, para se proteger ou defender, se disso precisasse?
Olhando à sua volta, nada mais tinha do que a sua tesoura de corte e costura, que era uma tesoura relativamente grande. Do outro lado da porta do quarto, só havia escuridão, a única luz existente era a do seu pobre candeeiro de petróleo, ali, no quarto consigo.
Tinha de o fazer, tinha de percorrer a casa para ver se estava alguém mais lá dentro, pegou na sua tesoura numa mão, agarrou-a com as pontas prontas a espetar, fosse no que fosse que lhe aparecesse na frente, na outra mão o seu candeeiro de luz quase mortiça, abriu a porta do quarto, olhou em frente, mas nada viu, a luz que tinha na casa, só a ela dava vida, tinha de atravessar pela sala, para chegar até á cozinha, onde tinha a certeza de que alguma coisa se tinha passado.
Cheia de tanto medo, como de coragem, entrou na cozinha que era grande, olhou à sua volta não viu viva alma, mas, as duas meias portas estavam abertas de par a par, olhando a rua, nada se via, só escuridão, Luísa pensou o que deveria fazer primeiro, em caso de correr algum risco e começou por fazer algo.
Colocou a luz em cima de uma arca, largou a tesoura e pegou uma grande faca de mato, faca que o marido tinha trazido com recordação do seu tempo de tropa na Guiné pegou-a na posição certa, de a espetar fosse onde fosse, mostrou determinação, e acreditou mesmo que foi essa determinação que a livrou de algo pior.
Resolveu ir fechar a porta, a primeira meia porta tinha um fecho no lado de cima, corrido entrava numa chapa que seria a tal segurança do fecho, o do lado de baixo, entrava numa ranhura feita na laje de pedra, com o fim de receber o fecho corrido igualmente, e manter a segurança da porta.
Contudo Luísa tinha a certeza, não estava temporal, e mesmo que estivesse a porta nunca se abria assim, continuava com a lingueta da fechadura corrida, mostrando portanto que estava fechada com a chave, apenas se abriu porque os fechos cederam a grande impulso de força pelo lado de fora.
Depois da porta fechada com a segurança que existia, Luísa pegou de novo o candeeiro, foi espreitar a dispensa, poderia eventualmente alguém lá se ter escondido, mas não havia ninguém, depois foi ver o outro quatro da casa, que ficava ao lado do seu, com tudo parecendo normal, voltou de novo ao seu quarto, para junto da filha e assim esperar que o marido finalmente chegasse, o que aconteceu cerca da uma hora da manhã.
Luísa tem a certeza, alguém ouviu a sua conversa com as senhoras do recado telefónico, alguém pensou que ali estava uma presa fácil, para atacar naquela noite de breu, uma mulher com vinte cinco anos, com tudo para ser desejada, ali naquele casal só e, onde ninguém ouviria por mais que gritasse, alguém pensou que seria fácil.
Contudo, esse alguém, enquanto encoberto pelo escuro da noite, viu que, para além e através daquela luz mortiça, ali estava uma mulher disposta a tudo, a muito mais do que ele poderia imaginar, pensou, retrocedeu, e que seria bem melhor afastar-se, e antes que saísse furado por uma tesoura ou por uma faca de mato, e por aquela mulher, que parecia e não se enganava, disposta para tudo.       

LÍDIA FRADE  

Sem comentários:

Enviar um comentário